Perda com ICMS é de R$ 8 bi, maior que a com royalties
Raquel Abrantes e Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil
RIO E BRASÍLIA - O Rio de Janeiro perde por ano de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões com a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do petróleo no estado de consumo, segundo declarou ao JB o secretário estadual de Fazenda, Joaquim Levy. O valor supera o prejuízo de R$ 5 bilhões estimado pelo governo fluminense caso seja aprovada a Emenda Ibsen, que altera a distribuição dos royalties do petróleo entre estados e municípios, desfavorecendo os produtores.
No estado do Rio, a produção de óleo é de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões por ano e corresponde a 85% dos barris brasileiros, enquanto São Paulo é o maior consumidor nacional e, por isso, concentra o recebimento de 55% do ICMS pelo petróleo. A commodity (matéria-prima com cotação internacional) é a única mercadoria para a qual a incidência do imposto ocorre na fonte e não na origem, como os demais produtos.
– Se o Rio vender uma mercadoria qualquer para o Sudeste ou para o Sul, recebe 12% de ICMS. Se vender para o Nordeste, que tem subsídio, fica com 7%. Na média, nosso percentual da receita com o imposto é de 10%. Assim, partindo do valor da produção de petróleo, estimamos nossa perda entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões, já que o ICMS fica com o estado consumidor neste caso – explica Levy.
Rio paga R$ 5,3 bi à União
Com o cálculo, o secretário evidencia a inviabilidade da redistribuição dos recursos do petróleo. Além disso, parte dos royalties precisam retornar à União, a título de indenização, como consta em contrato com o estado do Rio, que repassa R$ 1,8 bilhão por ano. Segundo Levy, mesmo sem receber os recursos pela produção de óleo, a partir da Emenda Ibsen, o governo fluminense continuaria com o compromisso por este pagamento.
O Rio também precisa repassar outros R$ 3,5 bilhões à União pelo pagamento de juros da dívida renegociada em 1999, com base na Lei 9.496 de 1997, que o estado contraiu a partir de perdas com a inflação durante o governo Collor.
– Não dá para ficar sem o ICMS e sem os royalties. Esta emenda é reconhecidamente inconstitucional por ferir o princípio do direito adquirido, com consequências sérias. Os primeiros pagamentos a ser suspensos serão os R$ 5,3 bilhões da União, porque não vamos tirar dinheiro dos aposentados (R$ 5,5 bilhões do Rioprevidência) nem da Polícia Militar (R$ 3 bilhões) – afirmou Levy.
De acordo com o secretário, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem o chamado “Controle de Constitucionalidade”, que dá o poder de exercer controle e derrubar uma lei indevida aprovada pelo Congresso.
A receita corrente líquida do estado do Rio (impostos, royalties e transferências) é de R$ 32 bilhões por ano, dos quais R$ 19 bilhões correspondem à arrecadação de ICMS de demais produtos.
Serão 89 municípios fluminenses prejudicados
Ao todo, 89 dos 92 municípios fluminenses serão prejudicados caso a Emenda Ibsen seja sancionada. Além das áreas de educação e saúde, infraestrutura e saneamento estão em risco. Os prefeitos alegam que o corte da renda proveniente dos royalties do petróleo inviabiliza a maioria dos projetos vigentes.
Campos deixaria de receber R$ 1,1 bilhão. Se tudo caminhar a favor de Ibsen, o município terá de se contentar com apenas R$ 1,5 milhão, ou menos de 0,5% do que recebeu em 2009. O dinheiro é suficiente para manter apenas um hospital na cidade, de 434 mil habitantes.
– Se a emenda for sancionada, teremos que paralisar projetos estruturantes, como o Bairro Legal, que já está em sete comunidades; a passagem a R$ 1 vai acabar; a vacina contra meningite também – lamentou a prefeita Rosinha Garotinho. – Os hospitais conveniados vão deixar de receber repasses da prefeitura, as reformas de escolas e postos de saúde vão parar – acrescenta.
Em Macaé, os royalties também são utilizados em infraestrutura, saúde e educação. Mas os serviços de iluminação pública, limpeza e manutenção ficarão comprometidos se a verba despencar dos atuais R$ 344 milhões para R$ 3 milhões, como prevê a emenda.
– Esta semana, deixamos de assinar alguns contratos, receosos da queda no orçamento – disse o prefeito Riverton Mussi.
Cabo Frio será obrigada a fechar as portas de quatro dos seis hospitais da cidade. “As obras de infraestrutura serão totalmente paradas”, disse o prefeito Marcos Mendes.
Deputados fluminenses alertam para quebra do pacto federativo
Deputados do Rio, que participaram da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, alertaram quinta-feira que a Emenda Ibsen Pinheiro pode quebrar o pacto federativo firmado à época na Comissão do Sistema Tributário onde, entre outros acordos, ficou definida a distribuição de compensações pela exploração de recursos naturais.
– O acordo seguiu a lógica federativa. O Rio ficou com os royalties do petróleo e São Paulo com o ICMS no destino, como compensação. O que está em risco é o que temos de mais precioso: o sistema federativo e o pacto firmado na Constituinte, que começa a ser arranhado por uma emenda que discute o dinheiro do petróleo – alerta o deputado Miro Teixeira (PDT), que prepara ação para derrubar a emenda Ibsen no Supremo Tribunal Federal (STF), se o Senado não fizer mudanças.
O pacto na distribuição de compensações é resultado de uma emenda apresentada em 1988 pelo então deputado José Serra. A emenda fixou na Constituição que, à exceção da energia elétrica e do petróleo e seus derivados, os demais produtos teriam o Imposto Sobre Circulação de Mercadoria (ICMS) taxados no destino e não nos estados produtores. O Rio ficou com os royalties do petróleo como forma de compensar não apenas o meio ambiente e o impacto da produção em plataforma, mas também as demais despesas que os municípios produtores passariam a arcar. Na época as duas compensações eram baixas, mas ambas foram crescendo e hoje o ICMS que beneficia o governo de José Serra, em São Paulo, supera o volume de R$ 7 bilhões que a emenda Ibsen pretende retirar da economia do Rio.
– O pacto federativo já foi trincado com a emenda Ibsen – diz o deputado Edmilson Valentim (PCdoB) que, embora não tenha se envolvido diretamente nas discussões sobre as mudanças na arrecadação do ICMS, foi suplente da Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Fianças.
“Da parte de Serra, não houve ingenuidade”
O deputado Edmilson Valentim (PCdoB) diz: “Serra é economista, é do ramo. Quando apresentou a emenda, ele sabia que São Paulo, como maior consumidor de energia elétrica e derivados de petróleo, teria compensação financeira forte. Da parte dele, não houve ingenuidade", diz o parlamentar do PCdoB.
Valentim diz que, na efervescência da Constituinte, como o país saía de uma longa ditadura militar e tudo teria de ser revisto, as bancadas se dividiram em várias comissões, de acordo com o tema mais íntimo aos parlamentares. Na Comissão do Sistema Tributário, formada por 61 parlamentares, as compensações ficaram a cargo de dois especialistas do Rio: o ex-prefeito César Maia e o senador Francisco Dornelles.
– O mais grave, hoje, é que o dinheiro do petróleo se tornou muitíssimo relevante, e isso vai afetar a federação solidária construída na Constituinte. Estou preocupado com a integridade da federação, que está quebrada com a violência empregada pela Câmara. Foram 25 estados contra dois – lamenta Miro Teixeira, lembrando que os deputados optaram por retirar do Rio recursos já comprometidos em contratos e receitas.
Miro Teixeira alerta que o projeto do Brasil como nação está ameaçado.